segunda-feira, 31 de março de 2014

poema na curva

a direção perdeu o volante
e manda seguir adiante
em linha reta enquanto puder.

medianeras

Do quarto do aguardo
o que haveria no corredor
além do horror previsto?
Poder mover a vida
sem ser atacado
É algo como poder viver.

O vento sopra meus cabelos
Não é o mar
É o ventilador
Com suas pás rapando
as tampas das cabeças
Que os domingos
possam ser sextas
e que as segundas
sejam coisa alguma

Um cansaço que não é de trabalho
Tampouco do esforço, do reforço
Nossas caras pálidas, mesmo as negras
cheirando a guardado
Baús encerrados
O presente é tão frágil quanto o passado.

.

busco Pan
para flautear
a minha dor.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Diálogo de trecho

sabemos pouco
o presente num laço
uma caixa-surpresa

laços lacônicos
presentes irônicos
caixas sapatilhas
brinquedos comidas

o dia é a embalagem
que vai ao lixo
sendo o lixo
o esquecimento do amanhoje

a lata
a prata
qualquer sacola ingrata
cabe mais que a máxima

que será a vida
além da gasta ideia
do hoje como sucata?

ímpeto louco iconoclasta
arruaça de hoje
que amanhã arrasta
debaixo da vassoura
do gari
da mãe
do louco varrido
a poeira de ser

menos pouco
menos roto
nosso alvorecer
mais alvorado
alvoroçado
vermelho sem ser de vergonha

bandeiras panos de chão
partidos ao meio sim
despartilhados não
hastearemos em cabos de vassoura
estandartes de revolução

soprar com um furacão
o cinza da cidade limpa
respirar um bocado
um túnel dentro
de acesso aos sonhos

no mar nadam meninos
na avenida lutam soldados

marcham de dia
pela boa vida
dançam de noite
quão boa ela pode ser

sambam blocos
blocos negros
de laranja entardecem carnavalescos
fantasiados violentos
blocos anti-soldados

mirando num só tiro
o erro que acerta as contas
atravessa certeiro
o relógio central
que marca as horas
do sofrimento e da fumaça
da saída e da desgraça
de voltar pra casa
e do tranco na praça
lembra a hora da morte
e que falta-nos sorte

cansado olho baixo
trem lotado, se reconhece
no cansaço do homem
apertado ao lado

adormece e esquece
do preço de seu trabalho

quando vai dormir
desaquece a fome
esfria o sol da janela
grita lá dentro pra ela
deixar o dia e vir deitar

e não dá
com criança
sem comida
roupa suja
pra lavar

os olhos fecham
mesmo sem tempo
mas por dentro
nem mesmo o sol pode dormir.

Curitiba/Rio de Janeiro, poema com Adriano.



Visita à Adélia

Meu primeiro namorado
se apaixonou pela Adélia
e o meu ciúme era imenso
porque Adélia é um nome antigo
E é nome de gente
fica bonito em poema
Visitava a casa dela
Olhava pela janela
via seu rosto nas nuvens
desenhava seu corpo nas sombras
Mandou fazer uma camisa
e estampou com cera de vela
Vou viver
e amar Adélia.

segunda-feira, 10 de março de 2014

no espelho

No caminho pra casa
móbiles de olhos
girando atentos
aos passos?
às pernas.

De súbito acordar num quarto
com medo do beco
e saber que o beco
mora ao lado
De pé, o café, o trabalho
Em cada orelha
pôr um brinco pesado

Olhar no espelho
Dois olhos fundos
a pele caída e cansada
lá fora o sol
ainda nada
Quando de longe avista
o espelho era um quadro
Tava lá nossa cara pintada
Não fomos nós que pintamos
Mulher,
uma tela com tintas de culpa
pra você se mirar.