sábado, 14 de dezembro de 2013

Encontro com a mentira

-Que lhe parece?
-Como não há cochias nas ruas, imagino que seja real.
-Pode estar vestido de esquinas e becos, por onde inventou a plástica
de seu sorriso e o sequestro de uma nuvem para chorar suas dores quando
conviesse.
-Que lhe parece?
-Como à toda gente.

Arrisca o fósforo

Eu quero te atirar no peito
Todo o amor que sinto
Pra jogar meu corpo
na briga de um beijo

Quero te jogar do prédio
Pra que possa andar
do quinto ao primeiro
até encontrar seu lugar

Eu vou te empurrar no precipício
E abrir minhas asas
para voar contigo
mais um carnaval

Eu vou te emaranhar
no vício
de fumar de beber de cheirar
tudo aquilo que for de amor

Eu vou te envenenar
com a polpa
da fruta amarela que vive na boca
e te deixa sem ar.

Eu vou
Eu vôo.
Você vai
vai voar.

Da fome

A saudade
é um prato
que se come
quente.

-

A saudade
é um prato
que se come
quente

Não tente se esquivar
Do tempero baiano
etíope
indiano
e do tailandês

Que é bonito no prato
tem cores ardidas
que pintam a boca
e afogam o peito
no calor do querer.

A saudade é veraneio
No deserto sem refresco
Bate forte, acha que é gente
Até morrer no paraíso
Do abraço forte e lento
Que é o encontro c'outro abraço
Vai cosendo a panela do tempo
de estar encontrado mesmo estando perdido.

Ode O

Seu eu riscar a faca
na sua garganta
vai chover um desespero
vai molhar a lembrança
que o teu sangue é tempero
que não vai sal

Se eu te risco da lista
(não me arrisco)
a festa vai acabar
com salgado frio
cerveja quente
e com gente chata
que só sabe falar

Se eu dilatar
meu punho cerrado
e der no meio do meio do errado
olhar na sua cara
com cara de
E aí?
Te mandar à merda
Ouvir uma dor imensa
crescer dentro de mim.

Porque o mundo está cheio de solidão.

E no fundo do que vejo em ti
Ela acontece
Sozinha, como sempre
bêbada, descolada, pronta pra matar

E sabe
prestes a dormir
que a manhã a morte
não vai passar d'uma ressaca.

A urgência tem seu tempo

Tomada na calada
por um grito de socorro
Quando o silêncio fala fundo
Boia na água suja do poço
Duas flores rosadas

O desejo de alcançá-las
pode ser a sede
da qual um dia morro
O calor que o tempo encharca
A morte certa
da alta queda
Meus miolos dariam cenário vermelho
às duas bailarinas

Posso descer pé-ante-pé
Arriscando o papel de aranha
Levar os dedos e trazer à boca
suas pernas verdes calçadas em lodo
Olhar para cima
E ver o brilho do dia
no fim do túnel vertical
E levar o tempo arriscado
De lá em cima
Secar a flor dentro dum livro grosso
Para que viva, só com menos água
Ela possa enfeitar o cabelo
Do amor que vive longe.

Quando acordo
Vejo nadando num copo d'água
A boca aberta do seu desejo.

Em gratidão

Por quem toma o braço
do ingrato?
Um laço feito de sal
comido junto grão-a-grão
Se desfaz em pó.

Na beira da onda salgada
dói uma ponta
Mas não pode morrer
O mar não sabe morrer

Se em desmonta dos seus
Não pode ver
Além do que se acerca
Há sempre uma cura
que é o nosso sorriso
adentrando com as vigas
na vida arrebentada

Se quando longe
não posso consigo
ser eu de tôdo
Ao mesmo tôdo o que passa
pelos fios microópticos
tele ondas de rádio
um incêndio que alastre
a fumaça preta do meu calor

Questionar a presença
d'um amor ardido
É desafiar ante os olhos
uma criança e sua coragem de voar
Esta, que mesmo com medo
Olha para frente e pula.

domingo, 27 de outubro de 2013

re-vez

Tem gente que come a casca da cebola?
Tem gente que dorme dentro do guarda-roupa?
Tem gente que vive em cima do guarda-chuva?
Tem gente que colhe a fruta que não está madura?
Quem é? Quem é? Eu vou buscar lá longe, eu vou!
 
No deserto, no rio, no inferno de ser o que sou.
Se diz não, se diz sim, eu atendo
Eu entendo se ele não voar
E tiver o nariz meio torto e o peito sem ar
Mas se o tempo leva dentro
O meu chronos e o kairós
Não há medo que sopre pra fora o que há de nós
Não há pedra que quebre o segredo da casca de noz.
 
Eu me rendo!
Não aguento!
Um segundo mais de vida 
no bico de tanto urubu
Destrinchando a carne que aberta
ainda vive
E que morre assistindo ao amor sangrar de dor.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

De raiz

Enfia a cara no sono
e prolonga um beijo
De olhos fechados não há
quem não tenha o desejo
De ter longas pernas que alcancem
lá longe e veja
O banho do vale lavando
os caminhos do medo

Dormindo se foge se encara
os tiros e o tempo
E olha no fundo da espera
pra dizer "te conheço!"
E acorda surpreso
por ter sua dor revelada
Cantarola no chuveiro
Como não fosse nada

De fora o passo é pequeno
não percebe as raízes
que nascem de noite ao relento
formando um rebento
Que bota de pé
A sede que sente a garganta
                           o peito
                           os vícios
Raiz que arrancamos do chão
ao calçar os sapatos

Vai, o vento da noite vai deixar você jogar
O corpo de lado, muda pequena pra plantar

Vai, a tempestade também quer ter seu lugar
Molhando os dedos e os medos que pode tocar.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

caixa de música

Brinca ao redor do peito
os passos da bailarina
Meu corpo é a sua pista
Na dança com os pares
Não dê na vista
bailando em círculos
Esse amor desmesurado
E não insista, apenas dance
Milhas e milhas
até o fim da corda.

Flor de junho

Aberto um botão
fechando na primeira casa
da camisa de força
Quem ousa brotar
Em meio ao caos e aos cães
Não sendo flor de copo d'água
ou buquê
Não é usada pra perfume
ou na TV
Uma flor nasceu na rua
quantas mais irão nascer?
O Carlos ali parado
concretizado na cena
E os cachorros se enfiando
pra cheirar os canteiros
Afundando suas patas
num embolado de espinhos
Eu sei, é feia, são feias, são tantas,
E haja cão, e haja caos
e haja mais o que eles quiserem.
Amanhã a cidade inteira vai cheirar flor.

exasas

um mosquito
é um sonho
com asas
fuça no lixo
mexe na bosta
mas vôa.

mas pra quem

Deus deu asas pra vuá
pro morcego
mosquito e sabiá.

na calada

Fina a telha da casa
por onde transpassa
a noite adentro
Espessas nuvens caindo
para ser o cobertor macio
belíssima estrela estilhaça
vai ser a preguiça
que espreguiça, brilhosa
E o escuro desce calado
no estralo assustado do armário
para ser o medo do menino
Denso, o sopro do vento noturno
balança as paredes que caem
no sono assoprado nos olhos
Areia calmante de todo-santo-dia
Por fim, quase já dia
o que cai do céu é um manto sereno
que adormece calado o pranto
que chora o corpo da vela.

azum

o mantra dos mosquitos
vai cantar
os meus zumbidos

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Uma pequena inquietude de vida e de morte - ou - Não há quem resista.

A sujeira
que vem de fora
percorre dentro
e sai pela pele
que movimenta
sendo serpente ao sol

Ninguém pode calar
um amontoado de células
com seu barulho microestelar
sensível ao auscutoscópio
Não grita como os copos ao chão
Como os berros dos bebês
Como os wats potentes
e sua irritância inata
Movimentam leves
incansáveis
levam dentro o seu sopro
E precisam quase
somente de água

Querer ser uma pequena partícula
E ser uma grande coleção flutuante
É como ser o astro-rei
Sendo apenas uma nuvem de fumaça.

Não há quem resista.

vividade

Ser molhado só vale
se puder transpirar
Pendurar a vida
entre um caminho
e outro
Estender o varal
Por dois destinos rodoviários
O sol seca qualquer dor
Um quarto mofa qualquer ser
Ser molhado só vale
se puder transpirar.

Dentro da dor

Não há nada mais triste
que a poesia indoor
Dor presa dentro da porta
Privada, seca
Tudo o que abre, fecha.

que horas são?

O tempo
é hoje
uns dizem
que urge
mas tão candente
Ruge!

In Natura

O arvoredo cambiante
o mar nas pedras
o sibilar do vento
varrendo os grãos
No escuro
mas nem tanto
O silêncio
mas se escuta
pelo ouvido do espaço
Na lembrança
um lugar é um retrato
e à luz do dia
jamais estoura o brilho
Mas ali
como em todo lugar
que segue existindo
depois dum intensoturno
o movimento das marés
e o grande aquário submarino
cada partícula pisada
flutua leve, dança
De noite a paisagem descansa.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Ladeira da noite

A noite
ladeira em riste
insiste na provisoriedade
da novidade de estar
de olhos bem abertos
para qualquer suspiro
que derem os móveis
o motor da geladeira
o diabo que vive no escuro

A ladeira da noite
automóvel desenfreado
injetou nas pernas
um trimilique sem graça
anti-noite-de-sono

Pé ante pé
derrapando paralelepípedos
não há calçadas
ou sacadas com uma moça
para uma pausa poética
o violão pra variar
está sem a ré
Não vai voltar...

Do meio do caminho
não há sol à pino
os ventos lambejam
desenhos sem caneta
Lá de cima um aceno
sonolentolente


Meus miolos ovos fritos
Um segundo indecente
Uma estrela cadente
Rolando ao alcance do dia.

terça-feira, 30 de julho de 2013

ECT

O corpo é um envelope
que nos leva a galope
dum remetente longínquo
para um destinatário distante.

Poema de calçada

Um dia cansado
- o trabalho -
O outro bêbado
- a garrafa do desejo é semi-cheia ou semi-vazia
a depender do olhador -
O outro morto
- não há morte que se explique, depois que tropeça,
tá na mão da terra -
O outro com fome
- cem pratas, um prato, sem pratas, sem prato -
O outro sorrindo, mas não muito
- quanto mais dentes, menos sorrisos -
O outro olhando, parado olhando, - diz aí, o que quer?
Quem sabe.
Olhando adiante,
Cansado
Bêbado
Morto
Com fome
Sorrindo
Nem sempre cada qual de cada vez
Aperto os olhos enfrentando o sol
Um dia vivo
Para cada uivo
Que o amor puder.






quinta-feira, 20 de junho de 2013

quarta-feira, 15 de maio de 2013

roda da morte

A morte quer ser um presente
Irrompe na vida dos inda vivos
Para ser a grande surpresa da vez
E qual festa se fez
                          pelo avesso
Com balões monocores
confrontando nossas bolhas
                                         de ar
                                         e sua tez
O anfitrião não está vestido de negro
como se pensa
Rodopia dando um tonto tom
a cada dia
Ninguém entra na valsa
Todos olham e escutam aqueles passos
que irão dançar não-se-sabe-quando

O rebento da madrugada é o soluço
filho do anfitrião
Tampouco há névoa
e o brilho estridente da luz solar
Faz questão.
Seu calor ardente
Faz questão.
Aperta os olhos cegos
Transpira o corpo vivo
Na festa da morte
o Presente é o presente.

domingo, 12 de maio de 2013

Jardim de Inverno

Numa roda de fogo
Baila redonda a vidamorte
rodopiam suas bailarinas
todas elas dançando em ponta
a natureza
a presença
o tempo
e a sorte

Para o falecimento do dia
sua calada arde a fogueira
diante do frio
um medo pequeno queima em brasa

Se os olhos gigantes
e a boca vermelha
fossem da morte
- mas não são
(o perigo é uma invenção)

No parlatório ninguém fala
Todos são parte da dança

Se assustou porque?
Na linha de frente
É tanta luz que não se vê.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

.


Uma colher de açúcar não adoça
O olhar batido
A multidão disforme
O tempo perdido
A solidão amarga
Como só a solidão
Pode ser.
Um saco de açúcar
que seja
É pouco
para o abismo
que a cidade cava
E haja açúcar
Pra encher de água
as múltiplas pálpebras
de olhos endurecidos.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

continua subindo

Todo atraso
tem um justo compasso
Entre o sonho e o descaso
Nem tanto esse quando o um
De lado
O sono na monoespécie do dia
Seu aproveitamento estranho
Produzindo teias de aranha

Pouco importa a vassoura
Que vem e varre a obra
A teia é o sonho novo
Se refazendo de novo no mesmo lugar.

terça-feira, 2 de abril de 2013

pulsão

Os vulcões são
gritos quentes
De uma mulher
vermelho terra.

guardo silente

Rés
Guardo
O silêncio é por vezes uma fortaleza
Quando não uma cadeia de dominós ameaçados

É um cachorro quase rato
passa ligeiro e cabisbaixo
mas atento
pelas profundezas do
movimento e do tempo
Pode ser adulto ou criança
Ora que os adultos falam demais
enquanto calam um abismo dentro
E os pequenos em sua potência
constroem sua música
em arranhacéus de vento.

quinta-feira, 21 de março de 2013

o bebedouro

O desalento de ser só
Bebe água na beira da fonte abandonada
Não há piedade para a cervical do amor
Há de ser corcunda e velha ao final da vida
Em volta da fonte enquanto bebe sossegado
Pululam uns bichos que ninguém conhece
E nomeamos de insetos o desconhecido
Dentro mesmo do tutano de cada vértebra
O calor ardido vive os passos do corpo
Queima a carne apegada que preteja
O amor é preto
Do lado de fora e distante
Somente olhar seu desenho é deleitar uma dança
Quem assiste o movimento da pluma no palco
Não sabe da calamidade dos pés da bailarina
Que beleza! Que suavidade!
Visto de longe os quadros não tem suor
São sustentados na parede por um só prego
E a carne que envolve a vida é crua.

quarta-feira, 20 de março de 2013

carta de amor

Atentei às suas dores em meio ao dia
Sufoca a garganta o uivo de um vento frio
Assopre quente o corredor de seus ruídos
O que é pequeno é pequeno
O que é grande não pode ser visto tôdo
Olhe de perto o que é pequeno
e sorria com sua singeleza
Dê um rolê bem grande para conhecer
o que não cabe inteiro em seus olhos
Te recebo em meu peito em uma tarde fria
Duas
Três.
Mas a vida é todo dia.

segunda-feira, 4 de março de 2013

sambrasa

de noite calado
o último ruído
é o suspiro do cigarro.

passeio pela muralha

osso
beijo
pele
abraço
carne
gesto
aonde vai o resto?

(fique com o resto
do que ainda em-presto)

Ei!
é só o que peço
um adeus honesto.

Mão
adeus.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Jaz

Os olhos de Márcio
nas lentes de João
para o sorriso de Vinícius

Quantas perdas por segundo?
À quantas anda o nosso vôo
A perder penas grandes
os viajados
os viajantes
Os queridos e ponto.
Este é o ponto.
Saí de casa querendo um vento na cara.
A realidade na espreita
Mentirosa! Desnuda e Larápia.

O foco de João na medida
Captou a sub-vida.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Poema para os que amo

No ímpeto de salvar-te
dou à parte
a noite, o instante, o eu-presente
Tão-somente para vê-lo novamente
Rachando a risada desembruta
Acordando uma rosa enxuta
Regando o jardim de inverno
Um terno escape
Se viver for estar de pronto
Bato o ponto
Na maquininha que mede a vontade
Não há cidade que comporte
O meu comportamento
O meu coração-pracinha
E o meu pé-mundão.

para um amigo-passarinho

E o que era para ser leve
A vida
          levada
Flutua o corpo no ar
Como um tijolo cai
Ele, como uma pluma
(Dentro, em seu peito
              o vermelho ainda pulsa)
Por cima de si o peso
de toda a opressão.

A juventude sopra pra fora
a varanda
Cortina esvoaça
Ensaio de um vôo
Depois do pouso
os olhos fechados são dois
Saudade e Memória.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O pé da letra


É preciso dar às coisas
Os nomes que elas tem
E não foi o Estado que deu
Tampouco Adão nomeou aos montes
foi a multidão
criou os alfabetos - não os analfabetos
as cores - o escuro
os afetos.
Usando uma palavra
para desenhar sua andança
Bailarina, anda pintando
seu nome novo
É preciso mudar o nome das coisas.
Quando essas mesmas
Já outras coisas são.