sábado, 21 de abril de 2012

in memorian

MEMÓRIA

Contar a memória

Contar com a memória
Vivê-la, bem vivo,
enquanto se é
Depois de não mais ser
sê-lo no outro

COLETIVA

Cassandra

Uma fivela e basta
Seguro todo o tempo
Que cultivei nos cabelos
Se a tezoura resolve
Não leva com ela
a memória
Dos dias trançados
dessa pequena história.

Zero.Dez

Falta
(d)o que?
Sobra uma beirada de coisas
de boca para o precipício
digo
- Deixa cair...
é coisa outra que falta
Uma varanda molhada
boto o pé pra não molhar
a chuva na janela

do lado de dentro
é seco e quente
e só, não é tudo
que temos.

Do lado de cá os passarinhos são
ficam ciscando os dias
amarelam
refletem a luz de fora
O sol estourou a imagem
a foto que guardei de ti
no fundo de um balde
de água e sal

Uma salmora de memória
garantindo o meu sossego
o inferno foi com a chuva
e aqui dentro está tão seco
e é o seco?
Ou deixo eu molhar
a beirada da sacada,
botar o pé,
a água entrando?
Se não alaga
marcam pegadas
e pronto.

Acordei cedo e cozinhei um sonho
Voltei pra dentro da cama
bem quente, soprei pra dentro
o sono, dormiu tanto
E foi tão rápido
mas quando abriu
Eu vivia em um abraço.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Estação Paraíso

Acesso ao azul
Um corpo estirado nos trilhos
É a trilha
"O atraso!"
"O Serviço!"
"O horário!"
... e nunca "O coitado!"

Descer o pescoço
Na navalha gelada do aço
É o caminho ligeiro
para vencer o cansaço
Uma nota breve
e em piedade
para a estação Liberdade.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Rio grande Cidade

E se eu passei toda a minha vida
A olhar a imensidão do Rio Grande
Não me intimida essa trilha de pedra
E sua gelada correnteza.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Acordei faltando um braço
Um pedaço
Um sei lá o que que dormia
mas não acordou comigo
Uma espécie de castigo
que me fez viver sozinha
Por tanto tempo
E não ouço vozes
somente a chuva e os aviões
E não havia vontade para nada
Para festa
Macarronada
Para batuque
Nada mesmo
Só um estranho desejo
De embarcar numa espaçonave
Dessas comuns mesmo
Tam Gol essas coisas
E voar tanto tempo e longe
Que se esquecer de onde partiu
Não seja estranho
Seja um tamanho tão pequeno
O que foi
Perto do que pode vir
Porque o risco
É uma mistura de azar e possibilidade
E se eu não tenho vontade
De levantar dessa cama
Estirada no sofazinho da cabine
Posso ir olhando na janela
E escolhendo lá do alto
O lugar do mapa para o pouso
E vai ter um moço
do meu lado esquerdo
Que vai puxar assunto
E eu vou falar três palavras árabes
Pra ele não poder falar comigo
E na hora de descer
Vou rasgar o check-in
Terá um comparsa esperando por mim
Na saleta do aeroporto
Com uma plaquinha
"aqui, estou aqui"
E eu vou sorrir
E quem sabe nem vou acordar
Porque há de haver a hora
Em que do sonho não se acorda
Porque é o que se vive de verdade.
Noite insone
parte dois
Amanhece
Meus rins estão pendurados no varal
Um prognóstico da velhice
Às vezes me visita
Me recordo de quase tudo o que ingeri
Meus rins de areia
Hoje nem mesmo o ar
Lavava
Levava
Trazia de volta
O que vai-se embora

Sur

Busco um norte
Apertando uma corda improvisada
Quando quase faz um som
Arrebenta
Quem me afina
Uma corda de varal-renal
Meu violão
Caixa frouxa que ecoa um grito
Envelheceu por uns dias

Manhã e noite
E manhã,
Amanhã
Até onde eu teria ido?

Um maço
Um café quente
O sol vai torrar meus miolos
Me apagar da mente a vigília
Dizer por horas com seu azul insuportável
Que eu ainda devo
Vale a pena
Diz o dia
"Desperta, mulher!"
E eu penso
em pregar os olhos
junto aos rins.
Sonhando c'um Norte
Encontro um
Sur Real
Sobre o oceano o homem pequeno

se vê um gigante refletido n'água

Depois do pouso e do canto matinal

encolhe engolido pela metrópole


Num salto, suas penas

desfazem no encontro com a serra

Dissipar da neblina

Se espatifam os sonhos

Sobrevoa as montanhas quadradas


Toca o chão, dó

Uma nota para o sol cinzento

Seus olhos filmam o caos

E o passarinho

vivo

se veste de homem para o trabalho.
A memória é algo que não se come frio
Porque fluido
Mas espeta a agulha na veia e entra
Gordurosa
Ardida porque vida
Ainda viva, não completamente passada
A memória é ontem
E também é hoje.
Durante o dia
um filete de sol
Ilumina o picadeiro
areia batida
Anzol de sonhos
Que já foram
Um grito do vento
levanta a poeira
O vazio aparente
Armando o espetáculo
a ferrugem nas cadeiras
são camadas
de gargalhadas
antes ridas

O fim da tarde
avermelha a lona
uma chama incendeia
um grande rasgo
bem velho
E ainda tem o cheiro
De pipoca
De criança
Tem um tom
de nariz de palhaço
Por debaixo da serragem
surgem olhos
Olham o teto solar
que é o rasgo

Um pedaço de céu
Pro silêncio olhar
Mas não há gente
Não há malabaristas
mesmo com a rede
estendida
Uma placa na porta
anunciando o dia
Porque segunda-feira
É dia de descanso
para o circo vermelho
E amanhã, despretensa
A estrela é a estrela
Vai saltar pelo rasgo
Para os braços
do palhaço.

11/03/11 - N. p/ A.
pegou pela frente
e não era suficiente
eu estar disposta
pronta com a resposta
que era outra
na verdade
já era tarde
pra tanta juventude
chegou na porta
pra entrar
entrou gritando
"é pra já"
e sentou no sofá
abriu o livro
da minha cabeça
uma crosta espessa
se inclinou pra crescer
paguei pra ver
ela recolher todo o tempo
jogado ao vento
e eu vi que plantei
e tem planta fértil
e é isso mesmo
mas não tem jeito
crescer é um sonho
ao avesso.
A minha flor se abriu
Pálida
Arrebentou o peito
Desenformou
suas pétalas líquidas
Um tiro em cheio
A flora em sangue
Estampou o vestido
Vermelho.
"- Olá, quem é você? Pressinto já tê-la visto,
todos os dias em minha cama, toda manhã vivendo,
cantando, fazendo, os planos, desejos, tormentos.
Mas não me lembro."
Para a vida que grita
Com voz de mulher
Não há palco onde se conte
o silenciado
Quando pronunciado
Há ouvidos que calam fundo
seu medo, sua dor do mundo
Há bocas maldizendo
Em rodas azuis
Que mulher que produz
É na beira do tanque
Ou bem boa na cama
E mulher que reclama
É fim de linha
Linha dura
Sapata
Mal comida

Um gravador plantado na saída
E o edifício gravou em sua memória
Que nessa história de mulher ser livre
Só tem público, não tem privado
o drama é épico
a dor é universal
As paredes são cortinas
Divisórias para o trabalho
Não há público, não há privado
Há um grito no sexto andar
Pára para ouvir
O sofrimento da metade
Da maior parte da humanidade.
O mar era um barranco

para o fundo

As laranjeiras

sua flor em cheiro

Tão imenso

Que era o cheiro do mundo

Nada tinha fronteira, placa, dono

Nem mesmo se pensava nisso

E era como se quem estivesse

da varanda vigiando

Soubesse que a cada dia

Estaria esperando

Um outro tempo pra puxar rasteiro

O tapete do sono

Hoje o único alento

Todo o tempo, o pé de barro, a água corrente

Costurando o sorriso permanente

Que picota o cartão e obedece o sargento.

Debaixo da minha cabeça um corpo grande

A vida distante, aquela

Ficou a sequela

do daqui em diante.
Plantei a memória na terra

Brotou gigante um tronco de dúvida

Se a infância era fina flor ou bruta

Que botava o pé na terra e não nascia

Pé de criança brilhante não nascia

O novo nascia o dia de hoje

Porque dormir era perda de tempo

O sono é ponte de hoje pra amanhã

Aurora do hoje e só

Não me lembro quando foi que começou

A picar o tempo num cartão

O verde a luz lá fora

Entrou pra dentro

Chegou a hora

Da tristeza, homem de terno, vir visitar.
Qual o tamanho de uma imensidão azul?
mede por metro ou pelo medo que ela dá?
Quando abre sua boca gigante pra engolir a areia

Ou pro mergulho de olho aberto que está

Vida temperada de sal.

Sêca a boca vai dizer vermelha a pele

não tem ninguém nessa jangada além

dos peixes que vivem do lado de baixo

No porão dessa divisa entre um chão e outro

De ponta cabeça a jangada é um trampolim

para a terra

Não há ninguém em cima da jangada

Além do sol inferno frita os peixes antes de pescar.
A idéia forte, o corpo frágil não comporta.
Se me comporto, guardo a cabeça na caixinha de jóias.
O que possuo, é para ser exposto:
frente ao vento, diante da bala.
Não calo!
Nem morto fico em silêncio.
Tenho mil vozes.
Sua textura é pálida, enquanto dorme.
Mas a estação do sono não tarda findar.
Um inverno de rigor nocivo avançou garganta abaixo.
Daqui debaixo já vejo escorrer o gelo.
Vai nascer o dia, surgir a primavera entre os dentes do banguela.

Sopram ventos para a capital

Dormir com o medo
Acordar com o alívio
É um perigo
esse negócio de fazer planos
Porque enquanto é idéia
Vamos tecendo os panos
de todas as cores que existem
E entra tudo quando é bicho
gente e lugar diferente
Uma arca quase independente
da realidade que ainda é
Mas um pequeno trapo desse pano
Há de ser
E terá sua cor tão mais viva
Do que o que vivia nesse cenário
Para os cansados
Os desolados
Os de saco cheio do caralho
Pensar a respeito pode ser
um prato cheio
Pra uma fome que ainda é pouca
E pode acordar devorando a porta
Pra sair de casa
Vestir o casaco
Respirar fundo
Um sorriso tímido pra querer o mundo.