quarta-feira, 23 de abril de 2014

Alameda

Se dentro de um beijo
couber o sonho que se abre
quando o olho fecha para a noite
Tão lindo será o limite
entre o sonho e o movimento
do pêndulo arriscado
dançando a ciência distraído
percorrendo os medos mais ardidos
sem muita cerimônia
E se dentro de um beijo
couber ainda a insônia
Não cessará de encerrar
os olhos
os molhos
os medos
os sonhos
Nossos dragões pelos ares
O maior de nossos fantasmas
a discursar no palanque do desejo
cada vértebra de mesquinhez que se dobra
e faz gelar nossos joelhos
E se dentro do absurdo
Pudermos piscar
somente um olho de cada vez
Para que a todo tempo
haja uma porta semi-aberta
Que ligue lá e aqui
Há que se dizer sem papas
bispos
padres
e qualquer outro clérigo a pisar na língua
Do sangue que incorpora o corpo
e pinta o chão na viagem
De seu calor vermelho
que faz toda vestimenta dura
querer ser um pijama velho.

.

Fique em paz com sua sina
sua saliva de cobra
que adoça a minha
mas do veneno que abre
a porta dos fundos da mina
de cobre
de sobras
de sonhos de esquina (de menina)
não tenho medo da fonte (da sorte) (da morte)
sem água e sem gelo
de onde brota os cabelos
que te amarram em mim
Faça doer sossegado
aquele grito engasgado
subindo os telhados
para ver mais de si
Depois se vire de lado
e aperte o recado
desenhado para ti.

homo quem?

de pé
para ouvir melhor
gritar
para chegar mais longe
correr
para viver mais quente
sorrir
para escovar os dentes
Adiante
mas para onde, navegante?
Com que passos caminham
as pernas do gigante?

vísceras modernas

nas tripas
correm juntas
a dor do mundo
o café da tarde
a linguiça calabreza
a urgência do comunismo
e os prazos de amanhã.

contrafactual aspirina

se fosse o parafuso infinito
e corresse solto o túnel do grito
seria instrumento de sopro
não precisaria de comprimidos.

terça-feira, 15 de abril de 2014

amor destelhado

esse amor vai chacoalhar sua casa
dez anos depois
um tufão um terremoto
até quando é só memória
de um vento que levou o telhado
e você, até hoje sem telhas
de cabelos e de barro
olha pro céu estrelado
sobre o teto pelado
e estrala no peito
a saudade do vento
e sabe que o sopro
abriu seus olhos para o céu.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

simultâneo

Quando enfiar a cabeça
no silêncio do travesseiro
e magnetizar os braços e pernas
para dentro da casa de Mefisto
Vou sonhar ao mesmo tempo
três sonhos, quatro ou cinco
já que a Lua,
quando ousa galopar em gêmeos
dá conta do recado
mas todo pela metade
Manda mensagem de amor
e se esquece de assinar.

sonhos líquidos

se dependurados
nos fios d'água de uma cascata
puderem os sonhos
gelados e molhados
compor a queda
que perfura as pedras
e como o rio
seguir sereno
mesmo depois
de cair de cabeça
Num único espasmo
correr de paraquedista
a hidroginasta
Na sua essência
ser explosão e calmaria
- quem diria!
caminhar o caminho
que nada adentro da terra
afim de mergulhar o mar.
se puderem.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Nascimento

Como se eu estivesse na beirada
olhando as crianças a mergulhar
com as pernocas e os bracinhos
de cachorro que já sabe remar
Avistasse um amigo, em meio às crianças
prestes a se afogar
Seu rio era um copo d'água
E sua mágoa, sem nadadeiras
puxava a vida de suas patas

Era um aquário fechado à vácuo
Desses que há no espaço e no supermercado
E um corpo pelado tentando boiar
Não tinha borda.
Quando acorda
Depois de pedir socorro
gritar bem alto
pedir ajuda ao pior amigo
Um pequeno chôro  enche o peito de ar.

Como vão os copos d'água? - eu lhe pergunto
Eu ando bebendo tudo
Só os cheios de água doce
Para chorar a água do mar.