segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Cuarenta y tres

Ya no pueden dormir
su angustia impidiendo el sueño
rebelados los pensamientos
que conectados con los pensamientos de los demás
mantendrán viva su voz
Ya no pueden despertar
Reír, luchar, rasgar el cielo
con sus puños cerrados de odio y de amor
sonreirán nuestras sonrisas
cuarenta y tres veces al día
lucharán con nuestras piernas y brazos
cuarenta y tres pasos
rasgarán el cielo de plomo
que luto tras luto
han ganando espacio e atención
porque nos pisotean el cuello
y se llevan a los hermanos

Ya no podemos dormir
Nos faltan cuarenta y tres
Ya no podemos dormir
pues perdimos la cuenta de cuanta sangre nos han sacado
Ya no podemos dormir
Y no tenemos recuerdos de cuándo lo hicimos

Uno a uno
No olvidaremos.
Haiti
Maré
Ayotzi.

tradução de Lenina Alcuña e Juliana Romano.

.

E quando o Rio de Janeiro
inventa de parecer São Paulo
Fica um frio danado
mas nem tanto
E uma garoa fina
de inspirar qualquer Caetano
a ficar em casa
A cidade fica toda engarrafada
Onde vive o mar
cobre uma neblina paulistana
de quando a gente vai
pegar o trem
e respirar fumaça
Não sei se a terra carioca tenta muito
Acho que nem quer
ser tão concreta
chão e teto
parede e cimento
Porque amanhã cedo
Vai lascar um sol
de botar ruído e som
em qualquer lugar
Daí esse Rio fica sendo ele mesmo
Escorrendo o suor no rosto de todo um.

.

Agarrar a vida, esfomeado
Não importando
se com os braços fortes
de um sindicalista barba branca
falando firme
e arrastando gentes
ou se pequeno, franzino
a costurar finamente
as desesperanças dos homens
do mundo todo
fazendo ser sua rede
uma só
para caçar o próprio futuro

Com as pernas cruzadas
de lado
Sorrindo
com a camisa do Curíntia
Sua sede, camarada
Hpa de sempre ser a nossa lenha.

Carta aos vivos

Seria impossível velar nossos mortos
com uma só vela.

A chama acesa nos corações pelo mundo
São enorme candeeiro

Hasteada
a nossa bandeira passa a ser
a roupa de seus corpos
Carregados pelos braços
do sonho de tantos lugares
A vela acesa para os nossos mortos
Nunca queima em silêncio
Arde ao ruído de bombas
que querem nos dispersar
Dos tiros que querem nos calar
À luz de sonhos clandestinos
(à luz de encontros clandestinos)
que atravessam a madrugada
Sob o rigor do sorriso que rasga
quando um de nós está a nascer.

E a cada um dos adeuses
que formos obrigados a dar
Ainda mais incendiada estará a fogueira
Passaremos a nos olhar de uma nova maneira
Perto e distante, uno
Enxergando ao fundo
O que é de fato importante.

.

Embarquei
no seu amor quente
Foi na classe econômica
onde deixei a bagagem
Porque lá embaixo balança
e é suado de dar gosto
De noite, pelados
Não tem prôa e céu estrelado
Pelas janelas do barco
o mar é o nosso aquário.

Eternamente desperta

Estou lidando com a hipótese
de meu sono ser surdo
Nem  o ronco alto que faz
o silêncio da noite
o desperta
Sob os lençóis que escorregam
nas pernas
ele não nota
Meu corpo que quer cair
de cachoeira
para dentro de seu mundo

Descobri, contudo
Que seu único desejo
momento de exceção
aquele em que ele pode ouvir
É quando contam as histórias
d'As mil e uma noites
Prestes a ensurdar-se
a voz rouca de meu companheiro
lê palavra por palavra narrada
E depois de umas tantas noites
Ele se abre

Você não sabe o que será da madrugada
Quando o companheiro quer dormir
antes mesmo da primeira história
E nem eu mesma sei
o que será de mim
quando Sahrazad
disser Fim.

vísceras modernas II

vive em mim
um só tormento
todos os dias
tem engarrafamento
os motoristas
furiosos com suas pressas
gritam bobagens
e soltam fumaça

vou pintar uma
Ciclofaixa
para ver se
pedalo por dentro.

Um sonho em direção ou O rio da minha terra

Nadava em águas barrentas
onde viviam peixes da mesma cor
Não podia ver os pés
como em quase qualquer rio
e não tinha fundo
sendo uma rasa lâmina
sempre prestes a secar
Imersos os cabelos na lama
os adultos gritavam da margem
"vem pra cá, vem pra cá"
Enquanto alcançava
em direção ao horizonte
sem pés de sereia
e nadadeiras de peixe namorado
tapava os ouvidos
e mergulhava
um mergulho acordado.
na fila do hospital
quem tem um olho
chora.

.

há uma semana
não saio de casa
mas hoje choveu

todos se guardam
menos eu.

O primeiro Adeus ou Vai, balão!

Começou na praça do coreto
no domingo à noite
do interior de são paulo
o aprender a deixar ir

As crianças volumosas
mastigando pipoca
correndo emboladas
em frente aos velhinhos da banda
a gastar
suas tampas de dedões

De lado
eu olhava a linha do balão de gás
presa entre os dedos
Abria e fechava rápido
fingindo conceder a liberdade
Mas pequenas mãos
não agarram sempre
o destino a tempo
E tombando o pêndulo
do pescoço assustado
os olhos esbugalhados
e a garganta seca
olhava aquele ponto vermelho
a navegar o infinito
até sumir no escuro azul.

a pomba e a pulga

em toda aberta asa de vida
em sua pluma branca aveludada
mora uma pulga

nas rasantes dos saltos
ela caminha
coçando as penas
que não podem voar

seu caminho vermelho
avisa silente
que quando se joga num pulo
leva consigo o teu sangue

o voo que se quer puro
não alça
a pulga que não quer pena
não pulsa.

.

Sopra manso o vento
do ventilador
balança os cabelos
que da queda de cabelos
tapetam o chão
O mormaço lento
que é a dança dos mosquitos
paira
Já que na madrugada
quente que nem te conto
só mesmo pairar
as gotas de suor
caminhando sem sono

O ódio nas ruas
que ainda que nas ruas
é um ódio privado
ódio de preto
ódio de viado
de mulher que fala
de gente que trabalha
ou vem lá do Norte

Não posso notar
o silêncio da noite
No corredor de meus miolos
há gente saindo pelo ladrão
Gritando
"Pega patrão!"
Em uma grande
serpente enrolada
organizando o bote

O ventilador olha
de um lado para o outro
Vigia
enquanto eu durmo
mas mesmo em repouso
Vigília
Não há como desatentar.

.

Casa íntima das margaridas
A vida
onde lhe convido para tomar
vômito de abelhas misturado no chá.

.

brasil é cuba
nordeste é aruba
o papa é comunista
agora é sua vez
de fazer poesia dadaísta.

.

Não sei se mereço
mas quem se importa?
Quero ardido, al dente
um caroço de abacate nascente
brotando um projeto de abacateiro

Toda árvore frondosa
nasce de um bosteiro
e de um fio de vida verde
que não dá nem para a salada
de um gafanhoto sem fome.

Quarenta e três

Já não podem dormir
sua agonia a impedir o sono
rebelados os pensamentos
que ligados aos pensamentos dos outros
manterão vivas a sua voz

Já não podem acordar
Sorrir, lutar, rasgar o céu
com seus punhos de ódio e de amor
Sorrirão nossos sorrisos
quarenta e três vezes ao dia
lutarão com nossas pernas e braços
quarenta e três passos
Rasgarão o céu de chumbo
que luto após luto
tem ganhado espaço e atenção
Porque nos pisoteiam o pescoço
e se nos levam os irmãos

Já não podemos dormir
Nos faltam quarenta e três
Já não podemos dormir
pois perdemos a conta
de quanto sangue nos arrancaram
Já não podemos dormir
E não temos lembranças de quando pudemos

Um a um
Nunca esqueceremos
Haiti
Maré
Ayotzi.

Em potência

Através da fenda que existe no muro
O que foi mesmo que eu vim olhar?
Meu globo ocular rosqueado no concreto
Só deixava ver o lado de lá
As pernas
há dias prestes a saltar
Fatigaram a expectativa
A boca secou a saliva
de cuspir e de falar
Os braços
fortes na fé de derrubar o muro
Torraram toda a adrenalina
A bater cansados umas palmas
de samba de bar
Quando do outro lado
Um cabra estava sentado
Me olhando a olhar
Que é?
A que respondeu
Que é?
Nunca viu?
Não, e você? Viu?
Atrás dele outro muro
E outros olhos parafusados
no vão entre cá e lá.